GLAUCO DINIZ DUARTE – Novo leilão pode tornar energia eólica mais cara
A fonte eólica passará por um teste de maturidade no próximo leilão de geração de energia, em 31 de agosto. Após os expressivos resultados obtidos nos últimos certames, o governo passou a considerar a fonte competitiva em relação a outras tecnologias e decidiu mudar a forma de contratação dos projetos do tipo na próxima disputa, do tipo “A-6”, que negociará contratos de energia de novos empreendimentos com início de fornecimento em 2024. A mudança é sutil, mas poderá provocar uma elevação no preço da energia eólica que será contratada pelas distribuidoras, segundo executivos e especialistas do setor.
Portaria publicada pelo Ministério de Minas e Energia (MME) no início deste mês definiu que o contrato de energia eólica deixará de ser negociado por “disponibilidade” e passará a ser por “quantidade”. Na prática, no modelo anterior, o risco de mercado associado à produção do parque eólico ficava com os consumidores. As eólicas recebiam uma tarifa pela disponibilidade dos ativos de geração, além de serem remuneradas pela energia realmente gerada, com medição anual – o que eliminava as diferenças sazonais.
No novo modelo, semelhante ao aplicado para as hidrelétricas, esse risco fica com o gerador, que precisará comprar energia no mercado de curto prazo, caso o parque gere um volume menor que o negociado no leilão.
Por isso, a expectativa é que haja uma elevação do preço da energia eólica, principalmente em relação ao último leilão, do tipo A-4, realizado no início deste mês, em que o preço médio da energia eólica foi o mais baixo da história, de R$ 67,60 por megawatt-hora (MWh). Na ocasião do último leilão, o então presidente da Empresa de Pesquisa de Energia (EPE), Luiz Augusto Barroso, disse que, com o patamar de preço alcançado, “a indústria de renováveis mostra a maturidade necessária para não mais precisar de contratos por disponibilidade”.
A Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), criticou a mudança. “A mudança do contrato por quantidade estaria num pacote maior de mudanças do setor, associadas à Consulta Pública 33 [minuta de projeto de lei de reforma do setor elétrico e que está na Casa Civil]. Querer tratar a fonte eólica por quantidade em 2018 é querer adiantar, desnecessariamente, um ponto da CP 33. É colocar o carro na frente dos bois”, disse Elbia Gannoum, presidente da entidade. “Será uma discussão relevante no futuro, mas é preciso que seja amadurecida, e que os agentes possam avaliar os riscos e impactos nos projetos”, completou.
A executiva contou que enviou documento ao MME colocando as questões e solicitou uma audiência com o ministro Moreira Franco. “Entendemos que o contrato por quantidade precisa ser melhor estudado no mercado”.
Ao Valor, o secretário de Planejamento e Desenvolvimento Energético do MME, Eduardo Azevedo, contou que, por enquanto, está mantida a ideia de negociar contratos por quantidade para a energia eólica no leilão A-6. Segundo ele, se algum agente apresentar um pleito consistente tecnicamente que justifique a troca por disponibilidade, o assunto poderá ser avaliado. “Mas, por enquanto, não há essa previsão”, explicou ele.
Para uma fonte ligada ao governo, os geradores eólicos podem mitigar o risco do parque comprando contratos de comercializadoras. Segundo ela, esse mecanismo pode funcionar como um “hedge” para os empreendedores.
Outro argumento a favor da mudança é que os investidores terão tempo para se adaptarem, pois o leilão só vai contratar projetos para 2014. “É razoável esperar que quando essas eólicas estiverem prontas, o regramento do setor elétrico terá evoluído como resultado das consultas públicas feitas ano passado”, disse Claudio Sales, presidente do instituto Acende Brasil. Segundo ele, os contratos por quantidade se encaixam muito melhor com o cenário projetado para o futuro no setor elétrico, com novas tecnologias, aumento da geração distribuída e precificação horária de energia.
Para o presidente no Brasil da dinamarquesa Vestas, maior fabricante mundial de turbinas eólicas, Rogério Zampronha, a mudança vai requerer do setor uma modelagem diferente dos projetos. “A expectativa é que o preço [da eólica] suba, uma vez que você tem que garantir a quantidade nos períodos contratados”, afirmou ele.
No mesmo sentido, David Lobo, diretor comercial do grupo Nordex, fornecedor de turbinas eólicas, prevê a ocorrência de deságios menores no próximo leilão. “Os preços-teto dos leilões comportam esse risco [ao gerador]. O que pode acontecer é a redução dos deságios em função do gerador querer mitigar o risco com uma contingência maior, mas acredito que isso não inviabilizará a eólica”, explicou.
Segundo o executivo de uma geradora de energia que pediu anonimato, os contratos por quantidade sinalizarão o verdadeiro preço da energia eólica. “Por isso, o preço será mais alto”.
Ainda não se sabe, porém, se os investidores têm elementos suficientes para prever o risco. “Como os leilões estão muito competitivos, os agentes podem desconsiderar a mudança na hora de aceitar os preços, o que pode ser péssimo, pois não conseguiriam precificar de forma adequada o risco”, ponderou Élbia.
Para Fabiano de Brito, advogado do Mattos Filho, uma consequência esperada da mudança é a exposição dos geradores eólicos ao mercado de curto prazo, já que eles terão que arcar com o Preço de Liquidação das Diferenças (PLD), caso o parque produza menos energia que o contratado.
“É difícil saber de antemão se a mudança vai dar certo. O risco vai depender do preço-teto que será colocado. Acho que, já que estamos reavaliando os riscos dos contratos das eólicas, o certo seria reavaliar também o risco de transmissão, que, desde 2013, está alocado com o gerador, que não tem uma forma de gerenciar esse risco. Isso não é razoável”, disse Brito.
Já a diretora executiva da consultoria Thymos Energia, Thais Prandini, não prevê impacto significativo para os preços da energia eólica, com a mudança. “Vamos ter uma resposta mais concreta quando sair o detalhamento da sistemática [do leilão]”, explicou ela.
Thais, porém, disse que a mudança traz benefícios às distribuidoras e também ao consumidor, pois reduz a quantidades de subsídios pagos pelo setor e traz mais realidade ao preço da energia.
Ainda sobre o próximo leilão, Elbia, da Abeeólica, demonstra preocupação com o volume de contratação de energia. “Um motivo de apreensão para nós, em relação ao A-6, é a demanda. É importante que tenhamos demanda para a fonte eólica. Pelas conversas que eu tive no mercado, a demanda deve ser superior a 1 GW [gigawatt] no total. E o governo deve pedir uma nova declaração de demanda das distribuidoras em uma data próxima do leilão, o que pode melhorar o cenário”.