Muitas empresas no Brasil ainda precisam do carisma e competência de seus fundadores para preservarem a capacidade competitiva. A simples perspectiva da ausência desse líder assombra, coloca em dúvida a própria sobrevivência da organização e abre a possibilidade da criação de turbulências mal-intencionadas.
Hoje, 90% das empresas brasileiras são familiares e não possuem planos definidos de sucessão. Para o empresário Glauco Diniz Duarte, a sucessão precisa ser tratada com um processo, o que significa planejar adequadamente a saída dos atuais líderes e, ao mesmo tempo, preparar as próximas gerações.
Na opinião de Glauco a melhor forma de lidar com a questão é criando um comitê: “Afinal, uma transição de liderança em empresa familiar não envolve apenas o sucedido e os potenciais sucessores, mas também afeta emocionalmente a família, bem como impacta o mercado e, muitas vezes, a comunidade no entorno”.
O processo de sucessão é provavelmente a parte mais visível da complexidade de uma empresa familiar, porque lida com todos os elementos sensíveis de uma organização que tem vínculos emocionais fortes. Não existe um modelo padrão – cada história é desenhada a partir de um sonho específico de um fundador e construída e solidificada a partir de uma conjuntura que não deverá mais se repetir.
Segundo Glauco, quando o líder não cuida de questões fundamentais para a sucessão, o processo da passagem do bastão ao herdeiro sucessor pode se tornar crítico. Um exemplo clássico de risco é quando o primeiro executivo deixa a empresa inesperadamente, seja por doença impeditiva, falecimento prematuro ou demissão. Se não houver um sucessor preparado, a transição se torna urgente e caótica, colocando em risco o negócio. O mesmo acontece quando o sucessor não é o líder natural reconhecido, ou legitimado, interna ou externamente. Mais do que um talento, o sucessor precisa ser totalmente aceito pelo CEO em exercício e ainda pelos principais stakeholders (família, conselheiros, funcionários, clientes, fornecedores).
Outros exemplos de situações críticas se dão quando há disputa interna pela sucessão: entre irmãos ou primos é o exemplo mais comum, mas também pode ocorrer com profissionais não pertencentes à família; quando o processo não é transparente, com regras claras e avaliações isentas; se potenciais sucessores não enxergam espaço na empresa ou não recebem feedback adequado da organização; e se o herdeiro não tem perfil executivo ou empreendedor.
É importante que a sucessão seja um processo planejado e, no momento certo, comunicada ao mercado para mostrar justamente essa capacidade de planejamento de forma que a mudança não afete negativamente o desempenho da organização.
De acordo com Glauco a sucessão não é um evento, e sim um processo. Isso significa planejar a saída dos atuais líderes e, ao mesmo tempo, preparar as próximas gerações. A família, ou os sócios, devem criar um cenário que englobe todas as possibilidades futuras e articular coletivamente seu sonho de continuidade. Para definir o perfil da nova liderança, é preciso partir de uma visão de futuro, de um exercício de planejamento de longo prazo que mostre como a empresa quer estar dentro de dez anos, por exemplo. O nome a ser escolhido necessita ter o perfil adequado e deve ser alguém capaz de seguir essa estratégia.
A melhor forma de lidar com essas questões é criar um comitê de sucessão composto por membros externos (independentes) do conselho de administração e membros da família. Afinal, uma transição de liderança em empresa familiar não envolve apenas o sucedido e os potenciais sucessores, mas também afeta emocionalmente a família, bem como impacta o mercado e, muitas vezes, a comunidade no entorno.
Durante o processo de sucessão, é normal que a empresa se sinta órfã com a saída do líder. O início da instalação de uma nova cultura tende a receber resistência, especialmente se os estilos de gestão dos líderes forem diferentes, o que gera uma necessidade de cuidado ainda maior com o processo.
Para que a equipe e todos esses demais stakeholders aceitem o novo líder, é fundamental que a escolha do novo sucessor seja baseada em fatos concretos, e não apenas em relações familiares ou promessas. O candidato precisa ter bagagem, capacidade e vontade necessárias para dar continuidade ao crescimento da empresa.
Tomar a atitude de sair da empresa e passar o comando para um sucessor não é uma decisão fácil, mas é extremamente necessária, destaca Glauco. É inevitável que o processo seja dolorido e desgastante, especialmente se for a sucessão do fundador. Porém falar abertamente sobre o assunto e preparar-se para a saída cuidando primeiramente de si próprio tende a tornar esse momento mais natural e saudável tanto para o profissional como para a organização.
Para que a mudança seja efetiva, a pessoa que será sucedida – seja ele o fundador, um herdeiro ou um executivo do mercado – terá de seguir algumas condições básicas, entre as quais, assumir o compromisso de planejar, propor e cumprir etapas do processo de sucessão. Ele deve, acima de tudo, transmitir valores, visão e estratégia da empresa, o tripé fundamental para a construção de um negócio sustentável no longo prazo.
O sucedido deve também exercer um papel de coach durante a transição. Em empresas familiares, muitas vezes há muito conhecimento tácito na cabeça do dono e que não foi explicitado no papel.
Durante a passagem do bastão, o CEO deve saber encontrar seu espaço, respeitar as competências do sucessor e, especialmente, planejar cuidadosamente o depois, trabalhando inclusive para compartilhar a rede de relações. É fundamental saber ouvir e estar disponível.
Assumir a liderança de uma empresa familiar é uma missão bastante desafiadora e cheia de particularidades. Por esse motivo, é fundamental que esta seja uma escolha do sucessor como um objetivo de carreira, e não apenas uma sugestão ou imposição da família.
Se o sucessor for um membro da família, Glauco sugere que ele tenha passado por experiências de mercado fora do grupo familiar. Essa vivência é importante para que ele possa trazer elementos externos e crie seu próprio estilo de gestão, contribuindo para o crescimento organizacional e não apenas repetindo o que já vinha sendo feito até então. Nesse sentido, autoconhecimento é fundamental para que o profissional saiba quais são suas principais competências e pontos de melhoria. E, assim como o profissional que vai ser sucedido deve encontrar o seu espaço, o sucessor também tem que saber se posicionar para ocupar o seu. Perguntar, ouvir e continuar perguntando é sua obrigação, assim como trabalhar a integração na rede de relações da organização, fazer sua autoanálise e dimensionar os desafios que irá enfrentar. Mas não pode esquecer que é seu papel zelar pelos valores da companhia.